GONÇALO BARREIROS
CAPC - Círculo de Artes Plásticas de Coimbra 18 JANEIRO 2013

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FICHA TÉCNICA
Nº 17
mármore e feltro e dispositivo electrónico.


 

Dois espaços, um degrau e um alerta

O projecto que Gonçalo Barreiros concebeu para o EMPTY CUBE tem como matriz um interesse nas relações entre o trânsito do corpo do espectador, numa perspectiva dinâmica mas voluntária (o visitante), e o espaço dotado de características arquitectónicas. Na sua obra é comum observar-se acções ou alterações do espaço que muitas vezes convocam uma aparente ausência de um propósito expositivo explícito, contribuindo deste modo para recuperar a discussão sobre a taxionomia do espaço expositivo e o seu correlato com o espaço público, questionando a sua fruição enquanto lugar de apresentação do objecto artístico.
O espaço construído, que o artista trabalha e utiliza para apresentar a sua obra, é sujeito a uma transformação que o converte num contexto reflexivo. Condição suficiente que conduz o pensamento do autor no sentido de produzir elementos escultóricos, sejam estes concretizados em objectos físicos ou imateriais (sonoros), que intersectam e recontextualizam esse mesmo espaço numa câmara de variações de sentido que actuam sobre a consciência do espectador.
A obra nº 17, realizada na galeria do CAPC – Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, vai ao encontro das relações que se estabelecem no espaço arquitectónico com a presença do visitante, focando a sua intervenção no espaço do EMPTY CUBE, que por uma noite se assume como espaço invasor da galeria. Gonçalo Barreiros introduz uma alteração no espaço interior do Cubo (que constitui o espaço temporário do EMPTY CUBE), através da redução da sua cota no eixo vertical. Ou seja, a redução da medida da altura da construção opera uma diferenciação em relação ao espaço da galeria e é precedida por um degrau em mármore, especificamente desenhado para este acontecimento, que confere a esse acesso uma outra perspectiva pela utilização de um material nobre e perene que contraria (e ironiza?) a efemeridade que caracteriza o próprio evento.
A acção de desnivelamento do chão do cubo, associada a uma sinalização sonora da presença do corpo do visitante na passagem da galeria para o espaço interior do cubo, recupera o questionamento sobre as ligações entre o espaço expositivo e a exposição como uma oportunidade crítica de se repensar nas suas premissas operativas.
Esta interdependência assenta na forma e nas condições do espaço (na recontextualização da arquitectura e nos seus limites) que Daniel Buren propõe num ensaio publicado em 1975 e do qual cito a seguinte passagem: 
“Every place radically imbues (formally, architecturally, sociologically, politically) with its meaning the object (work/creation) shown there. Art in general refuses to be implied a priori and so pretends to ignore or reject the draconian role imposed by the museum (the gallery), a role both cultural and architectural. To reveal this limit (this role), the object presented and its place of display must dialectically imply one another”1 .
É igualmente relevante pensar no título deste projecto. O nº 17 poderia, eventualmente, ser associado a uma referência toponímica, uma evocação de um lugar que reencontrasse a sua reinterpretação nesta intervenção. Ao invés, trata-se da medida do degrau (medida padrão) que constitui a alteração materializada na arquitectura do cubo. Forma poética e disruptiva de traduzir na linguagem escrita um contexto e um lugar de passagem.
Contudo, a intervenção de Gonçalo Barreiros contém ainda uma outra face, que convoca o universo dos lugares de consumo e os habituais sistemas sonoros (também estes padronizados, como a medida do degrau) de controlo, cujo tilintar alerta para uma presença ao transpor a porta, uma linha de fronteira entre lugares ou contextos.

João Silvério
Janeiro 2013


1 Cf. Daniel Buren, “Function of Architecture, Notes on work in connection with the places where it is installed taken between 1967 and 1975, some of which are specially summarized here”, Thinking About Exhibitions, London and New York: Routledge, 2002 (new edition), p. 315.

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