SUSANA MENDES SILVA
Colégio das Artes da Universidade de Coimbra 7 DEZEMBRO 2012

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FICHA TÉCNICA
69-12

Performance


 

João Silvério: Como é que te surgiu esta ideia no contexto da Universidade de Coimbra, onde temos neste momento, no âmbito do Curso de Doutoramento, uma apresentação, não chamaria exposição, da investigação de cada um de nós? Como é que te surge a ideia que vais apresentar no Empty Cube?
Susana Mendes Silva: A ideia para o Empty Cube, como sabes, não era originalmente para o espaço do Colégio das Artes. Era para a ideia do cubo em si. E o que eu fiz, quando soube que o cubo, em vez de estar em Lisboa, ia estar em Coimbra foi, inevitavelmente, lembrar-me de algumas referências e de investigar um bocadinho sobre elas. Nomeadamente, sobre as crises académicas, e toda a história e importância da Universidade de Coimbra durante o final do Estado Novo. Até porque foi um assunto mais ou menos retomado há pouco tempo, quando morreu o José Hermano Saraiva voltou-se a falar um pouco da crise académica. Quando se fala sobre o 25 de Abril, não é um tema que se aborde muito ou que seja lembrada a importância desses factos no contexto nacional.
JS: Então isto retoma, em termos de processo do teu trabalho, não só a pesquisa histórica — como no breve texto que escrevi para ser publicado no e-artnow.org —, uma pesquisa arquivística que se relaciona com um determinado momento histórico, mas esse momento histórico é um momento que parece que faz ressonância com o tempo que estamos a viver hoje. Daí que gostaria que falasses um pouco do título “69-12”.
SMS: O que me espantou muito foi, quando comecei a encontrar imagens e logo as primeiras que vi ­­­— e foi isso que me agarrou — eram estranhamente actuais, eram muito actuais, e quase parecia que o tempo não tinha passado. Daí o título que pode parecer enigmático, “69-12”, mas refere-se a esse tempo. Ou seja, são frases que mostram que de 1969 até hoje houve qualquer coisa que deveria ter acontecido e não aconteceu, e o que não aconteceu foi não haver mais necessidade delas enquanto palavras de ordem.
JS: De certa forma, isso faz-me recordar um pouco o trabalho que fizeste por ocasião das Comemorações da República com as sufragistas que é um trabalho perfeitamente actual. Não que haja um problema com o sufrágio, hoje, mas há um problema de condição feminina como existia na época. Isto faz sentido para ti em termos de processo, de tornar presentes certos factos não só históricos, mas de um certo tipo de activismo que parece que volta a ser necessário?
SMS: Isso tem várias vertentes. O que me interessa nisso, a que chamas uma actividade arquivística, não é tanto o arquivo em si mas tornar as coisas vivas, principalmente aquelas que foram apagadas ou que são esquecidas. Não lhes é dada a devida importância na História com H grande, e é quase uma actividade que eu acho que se liga muito com a performance. É quase uma actividade performativa, ou seja, fazer com que essas coisas vivam outra vez, como algo que, por voltar a ser dito, a ser escrito, volta a estar presente.
JS: Agora falaste na palavra performativo, que é uma palavra que hoje se usa quase “a torto e a direito”, passe a expressão, e no teu caso é um pouco a actividade central do teu trabalho. A ideia de performatividade que esta acção vai ter, muito ligada à palavra, como é que a vês no decorrer do teu trabalho? Penso que é o tipo de acção que vais fazer pela primeira vez, com estas características.
SMS: Sim e não, porque a acção não tem a ver só com a palavra. Ou seja, o espaço do cubo está cheio, o cubo está inacessível porque já está cheio de pessoas e essas pessoas dizem-nos qualquer coisa e essas coisas que as pessoas dizem, se lermos as frases, se lermos esses slogans, algumas têm uma mensagem muito directa mas outras quase parecem ser frases poéticas como aquela que aparece na imagem – “continua o diálogo do silêncio”. Se não soubermos a que é que se refere, e se estiver descontextualizada, hoje em dia, “continua o diálogo do silêncio” parece uma frase bonita que alguém pode dizer. E “continua o diálogo do silêncio” naquela altura referia-se ao facto dos estudantes não conseguirem falar com o Ministro, não havia diálogo e, por isso, depois as coisas correram bastante mal e ele foi demitido.
JS: De certa forma, hoje também há uma série de situações políticas e sociais onde parece haver um certo mutismo, apesar de haver uma série de manifestações. Estamos num clima de liberdade mas parece que esse mutismo e esse diálogo do silêncio ainda se mantêm presentes, não é?
SMS: Sim. E, no início, esta ideia do cubo estar cheio de pessoas era muito mais ligada à história da performance e agora assume um significado político que, no início, a minha ideia não tinha. Ou seja, é aquilo que estás a dizer, nós estamos lá, podemos dizer coisas mas se calhar ninguém se interessa por aquilo que dizemos e mesmo ocupando espaços continua a haver essa dificuldade entre a vontade do povo e o que realmente está a acontecer hoje, principalmente nos países do Sul da Europa. Agora, de qualquer das maneiras, e como sabes, não me interessa que as minhas obras sejam panfletárias. Quase todas as minhas obras, mesmo que não seja óbvio, têm um conteúdo político muito forte e activista sem as pessoas o verem porque não é óbvio. Como disseste foram os trabalhos que desenvolvi à volta da Adelaide Cabete e da Carolina Beatriz Ângelo, e posteriormente à volta da História da implantação da República, o antes e o depois, e todas essas pessoas que foram esquecidas e só mais tarde retomadas, como por exemplo na tese de doutoramento do Vasco Pulido Valente. Há um lado activista no sentido em que isto não se pode esquecer, isto tem que voltar, porque não é só história, isto é hoje.
JS: Chamaria um lado menos activista mas mais de intervenção, alguma coisa que intervém no espaço não só do espectador, mas na consciência de cada indivíduo que ali estará presente. Provavelmente vão estar pessoas que não têm bem a noção do que é que vai acontecer e outras vão com certeza porque entendem o tipo de convite que lhes é endereçado e o tipo de situação que se vai desenvolver. Gostava, por isso, de fazer outra pergunta. Este é um projecto que é muito singular porque só tem um acontecimento, coisa comum na actividade performativa, mas em termos de público como é que vês a participação neste projecto que tem este historial todo, de artistas que trabalharam de formas muito diferentes, ou seja, como é que olhas para o Empty Cube no âmbito do teu trabalho?
SMS: Eu tenho trabalhado com espaços muito diferentes e, como sabes, gosto que me façam desafios para determinados tipos de espaços que são, não diria sempre alternativos, mas que são espaços onde os artistas podem intervir que não são só aqueles que são esperados. Hoje em dia, o Empty Cube já faz parte desses espaços que têm características muito especiais. E, neste caso, o Empty Cube não só é o espaço em si mas é um espaço que está contido noutro espaço – está dentro do Colégio das Artes, dentro da Universidade de Coimbra...
JS: Com o simbolismo que arrasta, no bom sentido, consigo.
SMS: Exactamente. Por isso, é um momento especial porque noutros casos, e não sei se me falha a memória, o cubo estava dentro de um espaço de arte.
JS: Sim. Até quando esteve em Tomar foi na galeria do Instituto Politécnico de Tomar. E aqui é um pouco a galeria do Colégio das Artes. 
SMS: Mas não tem toda a carga, sem qualquer desprimor, não tem o mesmo tipo de carga, até dada a sala que é — e nós até discutimos onde é que poderia estar — ou seja, é um cubo que está dentro de uma sala que não é um cubo, mas é quase, e que está dentro de todas aquelas estruturas quase como se fosse uma matrioska pequenina porque há ali toda uma simbologia sobreposta e inclusivamente os próprios participantes não são só estudantes. São estudantes, sou eu, podem ser professores, podem ser familiares, filhos, amigos e todas as pessoas que quiserem vir e quiserem participar e que a única coisa que sabem que têm de fazer é virem vestidas de preto. E vamos estar todos vestidos de preto e encher aquele espaço connosco e com aquelas frases.
JS: Isso levanta duas questões que para mim parecem interessantes. A primeira é a questão de localizar, e a forma como tu localizaste fez com que fizesse parte de uma história, chamemos-lhe assim, do Empty Cube. Por outro lado, é a questão dos espaços de acolhimento onde o Empty Cube é um intruso e que ali tem, digamos, esse desvio, chamar-lhe-ia desvio particular, que é o facto de ser a universidade e voltarmos à questão toda do que é que a universidade representa e simboliza.
SMS: Essa questão de não ser um intruso, acho que isso também tem a ver com uma outra característica do meu trabalho que é eu ter essa paixão por querer que o meu trabalho — não sei se será sempre site-specific — não sei se essa palavra serve, mas que se envolve...
JS: Aqui seria mais context-specific, mais de contexto.
SMS: Sim, mas a questão não é o contexto.
JS: Não?
SMS: O próprio trabalho envolve-se. Sim. Mas essa expressão é um bocado madrasta e quando estive a fazer o doutoramento percebi que era uma expressão muito difícil de usar porque tinha um “mau karma” e uma má herança. Mas este meu interesse, esta minha paixão de me ligar a pessoas, à história, aos sítios e de fazer com que aquele projecto pertença ali — o que em termos comerciais é péssimo porque as coisas pertencem ali e não pertencem a mais lado nenhum. Mas o ali já não é na tradição do site-specific do final dos anos 1960 e início dos anos 1970, ou seja, não é por me convidarem, não é uma encomenda porque não me pedem aquilo...
JS: Pedem-te uma participação e que desenvolvas um projecto.
SMS: Não me pedem que faça uma coisa para a comunidade. Nunca trabalhei com uma comunidade. Há obras de outros artistas em que isso é pedido. Por acaso, isso nunca me aconteceu. Mas, de alguma forma, as coisas acabam por pertencer ali. Hão-de pertencer a Coimbra, como pertencem a uma rua de Berlim ou, no caso dos projectos à volta do Repórter X, pertenceram aos vários sítios por onde ele andou que depois existem online.
JS: Curiosamente, lá está, esse género de coincidência permite-te fazer uma exposição numa galeria que ficava numa rua com o nome...
SMS: Curiosamente o nome da rua não tem a ver com a personagem. Quer dizer, tem e não tem e essa desdobragem é muito interessante. E, depois, o projecto foi crescendo porque tinha tanto por onde puxar e era tão interessante que a coisa foi-se desmultiplicando no Porto, em Guimarães e só não foi a mais sítios também porque não foi fácil. Ou seja, ir a sítios míticos – ter o projecto na Rússia onde, supostamente o Repórter X esteve a fazer umas crónicas e não se sabe bem se ele lá esteve ou não, e em Paris ou em Londres. Mas sim, há essa característica, e que aqui mais uma vez vai estar muito presente. E se forem pessoas mais velhas, da geração dos meus pais, se calhar para eles vai fazer todo o sentido e vão perceber imediatamente. No entanto, como estas frases são tão específicas, não têm essa coisa da pessoa saber a história ou não saber a história. Não há qualquer imposição.
JS: Isso é bom porque também deixa a questão em aberto, não só para aqueles que têm a referência histórica imediata, como para os que não a têm e para os que não a tendo, podem passar a querer tê-la.
SMS: Exactamente. A maior parte das obras de arte são assim, não é? E às vezes as pessoas só não acedem a nada e rejeitam, porque não se abrem um bocadinho ou porque não estão dispostas a...
JS: Ou porque projectam outra coisa sobre a obra.
SMS: Ou sobre o que é uma obra de arte.
JS: Ou até sobre uma obra projectam por reconhecimento certo tipo de indícios, outro tipo de coisas que não têm a ver com aquilo que o artista fez.
SMS: Claro. 
JS: Obrigado.
SMS: E boa sorte (risos)!
JS. Boa sorte!                    



 

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